Mariana
Regina de Paiva, 31 anos, cresceu em Monte Alegre, região metropolitana de
Natal, Estado do Rio Grande do Norte Embora nascida na capital, aos três anos
foi morar com sua avó materna na cidade que tem pouco mais de 20 mil
habitantes. A família é grande, ao todo são 12 irmãos, e boa parte vivia com
sua mãe, Maria da Soledade, após a separação dos pais. Ela brinca que formou um
time de futebol em casa. Do total, dois deles tinham sido colocados para
adoção. Seu pai Manoel lidou por anos com o alcoolismo e cometeu suicídio
quando ela tinha seis anos. Mariana não tem muitas lembranças dele
A
vida não era fácil. Mesmo com sua mãe e irmãos vindo morar em Monte Alegre,
passaram por muitas dificuldades. A avó, Maria Regina, era agricultora e, desde
cedo, Mariana aprendeu a ajudar na colheita e vender verduras na feira da
cidade aos sábados. “Hoje, minha vida está perfeita, mas aquele tempo de
criança foram os melhores momentos”, diz, apesar das dificuldades da infância.
“Eu fico um pouco emocionada, porque minha avó sempre foi a minha vida. É a
mulher que eu mais amo neste mundo. Se hoje eu sou quem eu sou, devo a ela, que
Deus a tenha. Foi quem me criou e me ensinou a sempre ter o pé no chão. Nunca
vou esquecer a minha raiz, por mais que a vida me leve nas alturas”, comenta
Mari,
como é chamada, sempre foi uma criança muito ativa, amava brincadeiras e
qualquer coisa relacionada a esportes. A avó costumava dizer que ela era a peste
da escola. “Eu gostava de brincar de tudo, era a única jogando futebol no meio
dos meninos, porque você não via mulher jogando naquele tempo. Fui nessa fase
até os 15 anos. Quando eu tinha 14, veio um treinador de Parnamirim e perguntou
no centro de Monte Alegre se tinha alguma menina que jogava futebol por aqui.
Todo mundo me indicou”, lembra. Com isso, recebeu o convite para treinar com a
equipe feminina do Sport Club Parnamirim, mas as dificuldades financeiras
pesavam na decisão. Além de vender os produtos na feira, também precisavam
plantar para ter o que comer em casa. “A gente já ajudava na roça desde
pequeno, porque senão não tinha. Acredito que para estar aqui hoje, tive que
passar por tudo aquilo para realmente valorizar a vida que a gente tem, entende?
Se tem uma coisa que eu aprendi é que nada vem fácil”, avalia
Mesmo
assim, fez esforço para continuar jogando, com o sonho de seguir nesse caminho
profissionalmente. Já trabalhava desde os nove anos de idade, tanto na roça,
quanto como babá para crianças da região. Mariana conta que nunca dependeu de
seus familiares, por exemplo, para comprar material escolar. Por ser
desenrolada e simpática, era a melhor vendedora da feira de Monte Alegre e
nunca deixou de trabalhar desde então. Foi com essa renda que pagou as
passagens de ônibus para começar sua carreira no time de Parnamirim.
Seu
espelho era o irmão mais velho, André, que também jogava futebol. Quando o via
em ação, pensava em fazer aquilo da mesma forma. O apoio da família, inclusive
de primos e conhecidos, fortaleceu esse desejo. Ela brinca que, dos 12 irmãos,
dez jogavam bola e os outros dois só não o faziam porque não tinham coordenação
para isso. “Eu jogava em qualquer posição, mas sempre fui ‘fominha’ de não
tocar a bola para ninguém, aquela craque. Por isso, acredito que nasci com o
dom do futebol, na minha família também só tem jogador bom”, diz.
Esse
novo sonho se fortaleceu quando, aos 15 anos, foi descoberta por um
profissional do ABC Futebol Clube e recebeu um convite para jogar pela equipe
principal, na qual obteve bom desempenho. Por lá, conseguiu auxílio para
custear as passagens de ida e volta para sua cidade. No entanto, a experiência
não foi livre de frustações. A jovem recebeu propostas para jogar em times fora
do estado, mas nunca teve a liberação necessária de seus treinadores, o que a
prendeu aqui.
Saiu
do ABC para jogar na equipe do América Futebol Clube, onde trabalhou ao lado de
Miraildes Maciel, a Formiga, lendária volante da seleção brasileira, e foi
campeã estadual em 2012. Apesar disso, teve mais decepções quanto à liberação
para jogar fora do estado, em São Paulo, e até uma oportunidade na Itália.
Também tinha a responsabilidade de ser cuidadora de seus bisavós em Monte
Alegre e parou de jogar logo após o campeonato, mesmo com passagens posteriores
no Ateneu União Esporte e no Cruzeiro de Macaíba, onde lesionou o joelho
TÉCNICA E ÁRBITRA
Com o fim de sua carreira profissional, a rotina voltou a envolver apenas o trabalho como babá, as atividades na roça e como cuidadora de idosos no final de semana. Ao voltar definitivamente para Monte Alegre, teve a iniciativa de montar um time feminino na região e assumir o papel da treinadora da equipe.
Hoje,
Mariana é funcionária pública da Prefeitura no cargo de subcoordenadora de
esporte. “Começamos com só três atletas, mas apareceram mais meninas e chegamos
a 30 integrantes. Tive, então, uma chance na área do esporte e trabalhei em
escolas como assistente dos professores de Educação Física. O esporte sempre
foi minha vida e tudo que me foi passado no profissional, eu passava para os
meus alunos”, destaca. O curso de formação de árbitra veio em 2017, quando
recebeu orientação de professores da área. A transição aconteceu de forma
natural, por já apitar jogos de maneira informal entre suas jogadoras. “Eu já
tinha uma noção de regras. Tenho um amigo árbitro chamado Nildo, lá de Arez
[município a 59 km de Natal], que me incentivou muito nessa jornada. Ele me viu
apitando futsal e disse que eu tinha postura para aquilo. De primeira, nem levei
a sério. Eu falava que só queria jogar bola mesmo, mas foi uma coisa que ficou
na minha cabeça”, recorda.
Mesmo
sendo árbitra central, fez o curso inteiro para ser assistente. Ao completar a
formação, entrou para o sindicato de árbitros amadores e passou a atuar nesse
tipo de jogos. Foi em uma experiência negativa que veio a mudança de chave
necessária. “Trabalhei com um árbitro que era péssimo. Quando levantava a
bandeira para marcar falta, ele não seguia minhas indicações. Fiquei pensando
se ele tinha algo contra mim ou só queria que eu me resumisse a marcar
impedimento. Ao entrar em um trio de arbitragem, ali você é um só e precisa de
todos para fazer um bom trabalho. Isso me incomodou dentro do campo”, relembra
Depois
disso, pediu para não ser escalada com tal profissional e começou a perguntar o
que seria necessário para apitar. Começou no futebol amador. O primeiro jogo
foi um clássico no bairro Dix-Sept Rosado, em Natal. Escalada para o confronto,
Mariana conta que aplicou pelo menos nove cartões amarelos no primeiro tempo.
Senti
que os jogadores estavam me testando e já coloquei moral, mas foi um inferno.
No segundo tempo, eles já passaram a me respeitar, parecia que eram outras
equipes. Eu sabia me impor nas decisões difíceis e não demonstrava que estava
intimidada, mas só Deus sabe. Por fim, terminamos tudo em paz e recebi elogios
da comissão. Foi ali que eu decidi. Não tive curso, a minha escola foi no
futebol amador”, diz
A
FNF tomou conhecimento desse desenvolvimento e de sua vontade. A partir disso,
passou a ter oportunidades oficiais nas categorias de base com aval da
Federação. Todo seu trabalho árduo culminou em 2020, quando apitou o clássico
entre Assu e Potiguar de Mossoró pelo Campeonato Estadual, tendo sua estreia
profissional ao lado de Luciana e Edlene, e entrando para a história da
arbitragem no Rio Grande do Norte
Para
o quadro de arbitragem local, os candidatos passam por um teste anual. Uma
avaliação teórica, composta por 20 questões sobre as regras de futebol, e um
teste físico, o qual envolve atividades de corrida que variam para árbitros
centrais e assistentes. A composição corporal é aferida por meio de exames.
Depois disso, passam pelo chamado FIFA TEST - 40 tiros de 75 metros por 25
metros de descanso, que tem um índice básico de 15 segundos por tiro e 22
segundos de descanso entre um tiro e outro.
Quando
assistente, eu sentia que faltava algo em mim. Não sou uma pessoa autoritária,
mas eu queria me impor mais, mandar mais no jogo com decisões. Sempre gostei de
lidar com as pressões da vida e, principalmente, de desafios. Vi que, para ser
uma central, o desafio era maior”, diz. Hoje, Mariana trabalha 15 jogos por
semana em média. “A rotina é uma loucura, mas é uma grande realização. Meu
único dia de descanso é a segunda-feira, não atendo ligação nem se for do
Papa”, brinca.
Atualmente,
Mariana se afastou de jogos oficiais e pretende retornar o trabalho pela FNF no
ano que vem. Um dos maiores desafios que enfrenta, além da falta de apoio da
classe, é a própria desvalorização do trabalho por outras mulheres. Muitas
foram as vezes em que chegou em casa chorando, devido ao desrespeito que sofria
vindo da torcida nas arquibancadas.
isso
de mulheres. Um cara, quando fala alguma coisa, entra por um ouvido e sai pelo
outro. Mas, quando é uma mulher, fico pensando, ‘poxa, estou aqui nos
representando, dando meu máximo’. Como é que uma mulher é capaz de dizer que eu
devia estar lavando louça? O mundo já está contra a gente, temos que nos
apoiar”, reflete
Sua
irmã Manoela a tem como exemplo e inspiração. Quando soube dos planos para o
curso de formação, sua reação inicial foi de surpresa. Apesar de sempre ter
imaginado que Mariana seguiria no caminho do esporte, não imaginou que seria na
arbitragem. Ao acompanhar essa jornada, afirma que foi difícil chegar ao
patamar atual em uma área dominada por homens, começando pela turma que só teve
sua irmã de formada.
Segundo
Manoela, o apoio da família esteve presente com palavras de apoio. Todos
acreditaram que se alguém conseguiria quebrar todas as barreiras desse árduo
caminho, seria ela. “Hoje, sei que ela é inspiração para tantas outras mulheres
que, assim como Mari, buscam seu espaço no mundo do futebol. O sentimento é de
gratidão, porque ela conquistou o respeito dos jogadores e da própria classe de
árbitros, e por saber que ela continua buscando seu espaço, dando voz e sendo
voz para todas”, comenta.
Em
sua fala, descreve uma grande satisfação em saber que Mariana chegou lá, perseverando,
apesar de todos os desafios que precisou enfrentar. “Uma vez ela me disse que
ia desistir porque não tinha como continuar pagando o curso. Mas, quando é para
ser, o universo conspira a favor. Foi isso que aconteceu. Olhando para trás,
dividindo esse peso com ela, posso dizer que, apesar de ter sido testada de
todas as formas, ela perseverou e mostrou que lugar de mulher é onde ela quiser
e que podemos tudo”, reforça a irmã
FNF,
Matheus Lacerda, o último curso realizado pela Federação teve o valor de R$
1.000. Quanto à remuneração dos árbitros centrais, explica que, tendo por
índice o estadual sub17, a taxa é de R$ 103 por partida arbitrada. No
Campeonato Potiguar, podem variar de R$ 851 a R$ 1.114, a depender do jogo, com
acréscimo no valor em fase de semifinais e finais. Para aqueles que também
pertencem ao quadro da CBF, essas taxas podem subir. Em geral, os assistentes
recebem 60% do valor pago aos centrais. Nacionalmente, a remuneração varia de
acordo com a série do campeonato, com um profissional de Brasileirão A podendo
receber até R$ 4.000.
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